
As redes sociais transformaram profundamente a maneira como nos comunicamos, consumimos informações e, talvez de forma mais impactante, julgamos uns aos outros. Em um ambiente onde cada indivíduo pode ser tanto emissor quanto receptor de conteúdo, surge uma nova dinâmica de julgamento público, muitas vezes além do alcance do Direito formal. Nesse cenário, a moralidade coletiva, amplificada por curtidas, compartilhamentos e hashtags, parece assumir o papel de “juiz”, muitas vezes atropelando processos legais ou mesmo ignorando princípios de justiça e direitos individuais.
Historicamente, a Filosofia e o Direito sempre discutiram a relação entre moralidade e legislação. Rousseau, por exemplo, via na opinião pública uma expressão da vontade geral, algo que deveria guiar as decisões políticas e sociais. Por outro lado, Tocqueville alertava para os perigos da tirania da maioria, onde a opinião pública pode se tornar um instrumento de opressão, esmagando indivíduos ou minorias. Hoje, essas ideias encontram um novo palco nas redes sociais, onde a “vontade” coletiva frequentemente se manifesta como julgamento imediato, quase sempre sem as garantias ou ponderações que o Direito formal busca oferecer.
Um caso recente de "cancelamento" online ilustra bem essa dinâmica. Indivíduos ou marcas são julgados, condenados e “executados” socialmente em questão de horas, com base em informações que podem ser incompletas ou descontextualizadas. O cancelamento, embora possa ser visto como um mecanismo de responsabilização em um mundo onde as instituições formais são muitas vezes lentas ou ineficazes, também levanta sérias questões sobre a presunção de inocência e o direito à defesa. Afinal, quem garante que os "juízes" online estão devidamente informados ou agindo de forma justa?
Outro ponto crucial é a efemeridade das redes sociais. Sentenças morais impostas pela opinião pública podem ter consequências permanentes na vida real: perda de emprego, ostracismo social e danos psicológicos profundos. No entanto, diferentemente das sentenças do Direito formal, esses julgamentos não são necessariamente baseados em um processo estruturado e muitas vezes são esquecidos tão rapidamente quanto surgiram. Isso levanta a questão: até que ponto esses "tribunais sociais" têm legitimidade e responsabilidade pelas consequências de suas "decisões"?
Por fim, é necessário considerar o papel das plataformas digitais nesse contexto. Redes sociais fornecem as ferramentas para que esses julgamentos ocorram, mas também lucram com a polarização e a viralização do conteúdo. Isso levanta uma questão ética sobre a responsabilidade dessas empresas na moderação do conteúdo e na prevenção de danos causados por “linchamentos virtuais”.
Refletimos: As redes sociais representam uma evolução democrática ao dar voz à opinião pública ou estão criando um tribunal paralelo que ameaça os princípios de justiça e os direitos individuais?